A Flor e a Gotinha

A Flor e a Gotinha


*****A sua beleza resplandecia ao brilho do orvalho, mas se tremia, não era de frio. O seu coração estava gélido de abandono, sedento após perda que se acusava irremediável.
*****Uma pequena e escorregadia gota de chuva pousou nas suas coloridas folhas e perguntou com acidez:
*****– Por que choras? Porque tentas atrair a pena das outras flores a uma dor fingida?
Ainda mais magoada, a flor respondeu:
*****– Quem és tu para julgar aquilo que sinto? És minha amiga? Se não és, não tenho que confiar…
*****– Desculpa, presumi apenas que uma flor não tem pelo que chorar! Tu és muito bonita, esplendorosa e toda a gente te admira! – desculpou-se a gotinha.
*****– Mania de todos julgarem por aquilo que vêem, e não pelo que realmente conseguem olhar…
*****– Mas eu já te pedi desculpa. – reiterou a pequena gota! – Queres agora dizer-me porque estás assim tão triste?
*****– Porque conheci a dor provocada pela perda, e sinto-me murcha de impotência… – chorou a flor!
*****– De que falas tu, que eu não percebo nada? – indagou a ténue gota.
*****– Já alguém disse que te amava?
*****– Não, nem tão pouco percebo o que isso possa significar!
*****– Pois a mim já! Houve um jardineiro, um jovem jardineiro, que me encontrou e regou. Com a força do seu carinho as minhas folhas ganharam nova cor e brilho, e todos os dias me pareciam ensolarados. Ele fazia-me sentir tão especial… Dizia que eu era a flor mais bonita, tocava-me delicadamente e eu sentia-me realmente única. – explicou a flor.
*****– E o que aconteceu depois? Desapareceu? – questionou a gotinha.
*****– Ele continua a aparecer para me regar. Mas penso que já não o faz por afecto, mas por habituação. Pesar-lhe-ia a consciência se me deixasse morrer por falta de rega, mas há muito que não me oferece verdadeiramente o dom da vida! Já não diz que me ama e muito menos me faz sentir especial.
*****Quando a flor terminou, já a pequena gota havia sido absorvida por ela! A gotinha acreditava que podia matar um pouco a sede da flor, embora percebesse também que muitas mais gotas seriam necessárias.
*****Quando outra delicada gota pousou nas suas folhas, a flor perguntou-lhe:
*****– Porque nos fazem as pessoas habituar ao amor e à amizade, se não tencionam regar os seus afectos durante o resto das suas vidas, fazendo os outros sentir o quanto dói perder aquilo que outrora lhes prometeram?



Paradoxos
FootprintsPensei em abandonar, mas nem sequer consegui sair da cama.
Pensei em vaguear pelas estradas, mas ninguém me levou daqui para fora.
Agora todos aqueles que quiseram um dia ver-me em baixo voltaram.
Pensei em cantar, mas não consegui encontrar o que havia escrito.
Pensei em partir-me, mas não me consegui despedaçar.
Agora estou em baixo e pergunto-me porque nunca cheguei a queimar-me. Pergunto-me se não vou nunca chegar a aprender como é que as pessoas que vivem em solidão se constroem, capítulo a capítulo.
Esqueço tudo e todos que antes precisava, tentando encontrar uma razão para brilhar, tentando encontrar todos os pedacinhos que fui deixando para trás, levando o meu tempo para construir as minhas próprias páginas.